sábado, 9 de outubro de 2010

COM-VIVÊNCIA

Minha avó era uma mulher muito rude, não havia diálogo, ela mantinha uma distância enorme dos três filhos. Minha mãe sempre sentiu falta de mãe na sua vida e por isso, ela é o completo oposto da minha avó: desde quando éramos pequenas, manteve-se sempre conosco nas nossas decisões. Acabamos acostumadas a ficar horas conversando sobre o nosso dia, sempre com uma relação de intensa cumplicidade.
Minha mãe nunca escondeu qualquer situação da gente, o que acontece com muitas crianças, quando seus pais preferem poupá-las de saberem tal coisa para que elas não sofram. Isso nos amadureceu rapidamente, nos deu objetivos de vida, nos deu metas. Eu e minha irmã nos apropriamos da frase que a minha mãe uma vez disse para gente, " Nós não somos ricas, vocês duas sabem o quanto nós temos que batalhar para conseguir alguma coisa, eu e seu pai só podemos oferecer para vocês o estudo, e ele - o estudo - vai modificar a realidade de vocês, ele vai levar vocês aonde vocês quiserem ir, se empenhem nisso, quantas crianças não podem ter o que vocês têm, meninas."
A realidade foi nos moldando, minha irmã entrou para o Cefet e eu para o Pedro II, meu último professor de Química me questionava surpreso enquanto eu tentava argumentar com ele sobre uma prova: "Por que você está assim , Débora? Eu sei que você vai passar, eu sei que você sabe a matéria." Por mais que eu tivesse ficado revoltada com o que ele havia feito, quando eu cheguei em casa, minha mãe me disse, "Você fez a sua parte, falta pouco, força mulher!". E nós ríamos.
Atualmente, devido aos diferentes horários das três, quase não nos vemos direito. Só quando eu chego em casa quase pelas 23h, às vezes sentamos na cama da minha mãe e ficamos conversando até de madrugada.
E ontem não foi diferente.
Minha irmã estava de malas prontas para ir a Brasília, no Encontro Latino Americano dos Estudantes de Arquitetura, ELEA. E unidas como somos ficamos matando a saudade, antes mesmo dela ir.
Foi quando escutamos um barulho de criança, parecia ser no andar de cima, ela havia acordado e chorava, na hora, nós três nos olhamos e rimos. Minha mãe disse: "Alguma criança acordou, bonitinho." Mas então o choro aumentou e a criança começou a gritar:
" Pára! Não faz isso! Por favor!"
Parecia que alguém estava batendo nela, porque escutávamos o barulho. Era um grito desesperador, e corremos para a janela para olhar de qual apartamento estava realmente vindo aquilo, mas não achamos. Voltamos a nos sentar, minha mãe disse:
"Odeio quando os pais descontam na criança o seu cansaço, ou a sua impaciência, não é assim que se ensina."
E eu fui dormir pensando o quanto tinha sorte de ter essa minha família, de ter a minha mãe, que nunca precisou disso para nos mostrar o que é certo ou errado. Ninguém precisa da violência, nenhuma criança merece isso.