sábado, 27 de junho de 2009

O valor das coisas

Já se passava das dez horas, o celular não parava de tocar, segurei-o, quatro chamadas não atendidas, minha mãe. Alguém na sala falava pela secretária eletrônica algo inteligível devido distância. De bruços, afundei meu rosto no travesseiro. Eu não preciso levantar agora, pensei. Fechei os olhos.
"- Bom dia, meu amor!" um sussurro no meu ouvido e mãos me puxando para o encaixe perfeito de seu corpo, me virei, abraçando-o afundei meu rosto em seu peito.
"-Que saudade." murmurei. "Por que você demorou tanto?" queria que seu cheiro impregnasse em mim de tal forma que nunca mais saísse. O balanço de seu peito indicava que estava rindo internamente , dei-lhe um soco no braço.
"-Para de rir, isso não tem graça alguma!"
"-Eu sei." ele me afastou mesmo contra meus esforços de permanecer grudada a ele "mas você precisa seguir, muitas pessoas precisam de você, ele precisa de você!"
Levantou rapidamente e, sem perceber, estávamos no corredor. "Abra", me disse, apontando para uma porta. Abri-la. Instintivamente olhei para a cama de madeira, vazia. Vasculhei o quarto. Sentado na cadeira da escrivaninha estava uma criança, de no máximo 7 anos, virada para a janela como se olhando para fora, ele segurava uma foto. Na verdade, observava-a e dizia em voz baixa: "Papai, eu sinto a sua falta, mas deixe a minha mãe viver, por favor. Ela não vai deixar de te amar, nem eu, mas...mas eu também preciso dela."
Agachei ao seu lado, minha criança estava chorando, como eu não pude perceber que ela estava assim, sofrendo dessa forma. " Eu fui chamado, meu amor." disse ele.
"- Como eu não percebi?"eu disse.
"- Você está trancada naquela quarto a três dias, querida." Ele agachou ao meu lado , olhei-o:
" -Você vai embora, não vai?" confirmou com a cabeça " Eu vou deixar de aparecer quando você decidir seguir em frente."
Como eu queria continuar com a ilusão de tê-lo novamente. Abracei-o.
"-Eu sabia que você ia fazer a escolha certa" sussurrou em meu ouvido e me beijou "Eu te amo muito!"
Abri os olhos, sentei na cama. Silêncio na casa. Me levantei e fui ao quarto do meu pequeno, ainda estava na mesma cadeira que alguns minutos atrás, deve ter levado um susto, pois correu para se esconder. " Não fuja, meu anjinho!" Abracei aquele corpinho frágil com tanta intensidade e afaguei seu cabelo macio. O telefone voltou a tocar na sala, segurei-o no colo e descemos juntos para atender.
"Alô? Não mãe, agora está tudo bem, eu voltei." olhei para ele. Me observava com olhar de interrogação, mas sorriu e eu percebi que em nenhum momento estive sozinha, que a única coisa que eu precisava era dele e ele de mim e só isso bastava naquele momento.
"Nós vamos comer alguma coisa?" me perguntou "Estou com muita fome!"
Sorri.
"Sim, vamos sim!"

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Picadeiro

O palhaço gritava e rodopiava no ar, lantejoulas caiam de sua roupa conforme ele andava fazendo uma espécie de caminho no chão de terra. Aproximava-se das crianças com certa autoridade, algumas com medo se escondiam, outras valentes riam e caçoavam. Que palhaçada. Suspirei e me voltei para o picadeiro, costumava vê-lo de outra forma as cores eram mais atrativas, tudo parecia mais alto. Como era difícil acreditar que as coisas mudavam que eu mudava. Eu quase conseguia rir do que o palhaço fazia e observando percebi que não era a única que não se interessava por ele na minha fileira, as pessoas que antes riam comigo eu já não conversava mais, pois já havia mudado de fileiras tantas vezes que mesmo quando as via não conseguíamos manter um diálogo, estavam sempre voltadas para a apresentação, para uma apresentação tão estranha. Voltei-me para o palhaço, ele se aproximou de uma das crianças, apertou uma linda rosinha dourada no rosto de uma das meninas, o jato de água foi tão violento que ela ficou atordoada por alguns minutos. Ninguém foi ajudá-la, nem eu. A platéia ria e aplaudia a grande arte que o palhaço havia aprontado. A menina levantou, olhou a sua volta e foi sentar- se em uma fileira um pouco longe do palco, encostou as mãos na cabeça e ficou ali parada, como eu estava a algumas fileiras atrás conseguia perfeitamente observá-la. Meu companheiro de fileira levantou e foi se sentar mais atrás, começou a conversar com outros daquela fila, mas eu não conseguia entender. Percebi que não me interessava mais observar o palhaço, estava na hora de buscar mais, estava na hora de mudar de lugar. DW